quarta-feira, 20 de julho de 2016

[Resenha] Ciberpajé - "O Estratagema da Aranha" (EP - Lunare Music): Músicas que falam de morte e lembram-nos que estamos vivos!

pela IV Sacerdotisa Danielle Barros*


A intro tem uma melodia cósmica, para lembrar a cada ser que está entrando na dimensão da obra de sua condição de univérsica.
A faixa 1, Aforismo I, já começa eletrizante, meu gato Noite que estava em meu colo se incomodou. A letra do aforismo é simbólica, remete ao título do EP, e fala da destreza hábil que a aranha desenvolve ao tecer a teia que enreda o inimigo. Entretanto, é importante lembrar que nosso único inimigo real somos nós mesmos. Se a aranha quer tocaiar o outro, ela estará criando uma conexão negativa com quem ela vê como inimigo,prejudicando a si mesma.
A ideia de ser tecelã do universo, construtora dos próprios caminhos, a que forja a própria realidade é um dos simbolismos da aranha. Bem como o da condição de sermos infinitos, evidenciada no simbolismo de suas 8 patas. A aranha é uma artesã, é criadora nata, genuína. E como diz o Ciberpajé e o saudoso Elydio dos Santos Neto: “A vida é criação”. A aranha cria a teia, e é uma das tecelãs naturais da mandala, que segundo Jung traz a ideia da quaternidade, do equilíbrio, o círculo da vida, início de todas as coisas. Nossa ancestralidade cósmica. Sempre conscientes que tudo que começa termina, ou seja, tudo que é cíclico, tem a fase da vida e da morte.
A aranha me faz também lembrar-me Tanatos, a morte, que a maior parte da humanidade evita falar e encarar, mas tão necessária e parte da vida. Ela me faz lembrar também do “memento mori”, algo tão simbólico que nos faz estar focados no agora, valorizar o momento, a vida, ter noção da efemeridade, e assim sermos mais humildes. A morte nos ronda, mas a vida pulsa!
E os urros do Ciberpajé evocam a condição do animal que somos e temos em nós. Porque somos carne e somos imateriais também. Sublimes seres carnais e anjos abjetos. Assim evidencio na força melódica da faixa esses êxtases estratosféricos, seguidos de vales subterrâneos. O coração acelera, e a respiração fica ofegante. As músicas desse EP nos lembra que estamos vivos, falando de morte. A mandala da aranha traz uma ordem de divindade interior e equilíbrio, mas também simboliza seu oposto complementar, o caos.
A melodia do Aforismo I traz essa sensação de emergência, urgência de viver, já no Aforismo II a sensação é de serenidade, da consciência de nos sentirmos o tudo e o nada.
O cover da banda portuguesa Wolskin, para a faixa Dawn in Blood, fecha o EP com uma clara sensação da finitide. Se no começo da obra temos um nascimento cósmico, aqui temos a morte sendo consumada. Uma faixa muito densa. Senti-me como em um campo de concentração, um lugar de seres sendo executados, mergulhados em crueldade, tortura, sangue e muita dor. Os sons cadenciados, com um toque “militar”, pareciam conduzir uma boiada (“humana ou de bois?”) em uma fila para o abate. Ouvi sons de pele queimando, cortes, moscas, e desespero.
A “boa notícia” é saber que o novo só surge a partir da destruição. Então, aprendi, ao apreciar as obras do Ciberpajé - e suas parcerias -, a desenvolver um novo olhar em relação à morte e à destruição, como algo inerente e necessário à vida. Mesmo com toda densidade que vivencio com certo incômodo nesse EP, estou ciente de que a arte genuína incomoda e é necessária (e não traz o que queremos e sim o que precisamos)!
Parabéns ao Ciberpajé, e aos músicistas Genilson Alves & Gabriel Kalb do projeto musical “Quando o Céu e os Oceanos Colidem e também à gravadora Lunare Music por mais este lançamento valioso!



Gostaria de destacar a arte da capa criada pelo Ciberpajé, genial e belíssima, com a gata Ariel (se eu for falar do simbolismo do gato e a conexão com aspecto da espiritualidade, vida, morte, são mais 3 páginas de textos) e em comunhão com a teia da aranha, ficou uma simbologia forte e perfeita para o que a obra representa conceitualmente. Parabéns!

OUÇA O EP Ciberpajé - "O Estratagema da Aranha" e saiba mais detalhes sobre o lançamento AQUI

*artista, poetisa e desenhista. Mestre em Ciências (ICICT/Fiocruz), doutoranda em Ensino de Biociências e Saúde, IOC/Fiocruz-RJ. E-mail: danbiologa@gmail.com
blog ivsacerdotisa.blogspot.com.br

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